Alberto Scaloppe
No último 02 de outubro foi publicada a Media Provisória 897/2019 que pretende – ao menos na justificativa do Governo Federal – estabelecer mecanismos mais ágeis voltados à obtenção de crédito e garantia de dívidas pelo produtor rural.
A Medida Provisória se assenta na justificativa de facilitar o acesso do produtor rural à financiamentos, por meio da criação de novos institutos jurídicos e jurídicos-econômicos. Faz isso ampliando o rol de instrumentos de acesso ao crédito, tendo como principal preocupação a garantia de dívidas. O Governo, porém, pisou em terreno arenoso no aspecto jurídico e no aspecto econômico. E, embora a justificativa seja a de fomentar a economia por meio de auxílio ao setor, deu claros sinais de que o maior beneficiado será, na realidade, o mercado financeiro.
A MP cria o Fundo de Aval Fraterno – FAF, que prevê a formação de um grupo de produtores rurais e de credores, que, com recursos próprios, criaria um Fundo de Capitais para servir de garantia às operações financeiras dos integrantes do grupo. Na prática, os cotistas do Fundo serviriam como avalistas e, em caso de débito de um dos integrantes, o credor poderia se valer dos recursos aplicados no Fundo.
Há, no entanto, três problemas imediatos, dois jurídicos e um de ordem econômica: (a) a Medida Provisória deixa claro que o FAF serviria como garantia subsidiária, de modo que o credor se valeria dela somente após o esgotamento das garantias pessoais e reais firmadas no contrato que deu origem à dívida, ou seja, o FAF não afasta a necessidade do produtor rural apresentar garantias reais e pessoais, o que, na prática, não inova e não traz nenhuma segurança; (b) o aval, medida que juridicamente mais se aproxima do FAF, é figura típica dos títulos de crédito (CCR, duplicata, cheque etc.), ao passo que a fiança é uma medida aplicável no âmbito de contratos, que age como um redutor dos negócios em que poderia ser utilizado e, mais ainda, traz certa insegurança, já que, por exemplo, o aval dispensa benefício de ordem, isto é, o credor pode executar o avalista antes de executar o devedor, independentemente da existência de patrimônio suficiente para pagamento da dívida; (c) a criação de Fundo de Capitais depende do aporte de capitais pelos interessados em participar e da gestão por uma instituição financeira inscrita no Banco Central que faria a gestão do mesmo.
Além disso, a MP cria novo título de crédito, a Cédula Imobiliária Rural – CIR, que garante o crédito obtido pelo produtor rural por meio da afetação de parte da sua propriedade rural ao pagamento do crédito obtido. Na teoria, o título de crédito deveria dinamizar o agronegócio, conferindo mais facilidade na circulação de riquezas. Mas não é isso que, em tese, ocorrerá. A CIR funcionaria assim: ao contratar um crédito rural, o produtor rural ofereceria parte ou toda a sua propriedade rural como garantia e, caso não quite sua obrigação, o credor teria enorme facilidade para expropriar o patrimônio ofertado; o direito à transferência da propriedade é imediato e independe de interpelação extrajudicial ou judicial.
A Medida Provisória cria também a figura do “patrimônio de afetação”, que nada mais é do que a destinação de parte da propriedade rural, ou toda ela, para garantir o crédito obtido junto à instituições financeiras. Portanto, essa medida não só traz enorme insegurança ao produtor, pois poderá comprometer a existência do seu negócio, como, na prática, beneficia apenas o setor financeiro.
Assim, a MP 897/2019 não cumpre o que promete e confere considerável insegurança jurídica ao agronegócio, pois se vale de institutos pouco claro, complexos e juridicamente instáveis, em nada fomentando o setor rural. Melhor seria se o Governo tivesse apenas baixado os juros aplicáveis ao setor.
Alberto Scaloppe é advogado em Cuiabá.