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Opinião Quarta-feira, 23 de Abril de 2025, 14:43 - A | A

23 de Abril de 2025, 14h:43 - A | A

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O Hino ficou no vestiário

Se aguentamos 90 minutos de jogo truncado, com VAR, cera e acréscimos que viram novela



As primeiras rodadas do Brasileirão 2025 mal começaram e já veio aquele déjà-vu de sempre: time entrando em campo, arquibancada cantando alto, fumaça da torcida no ar e, claro, o Hino Nacional! Porém, só sua “metade boa”, aquela parte que cabe na transmissão.   

A Lei nº 13.413/2016 até tentou jogar com raça, exigindo a execução integral do hino antes dos jogos. Mas, no estádio, o que toca mesmo é uma versão compacta. É como ver um jogo só pelos melhores momentos: bonito, sim — mas perde o sentido do todo.  

Dá até para imaginar a cena: o técnico da transmissão gritando no ponto do narrador, “Corta o hino, vai começar a escalação!”. E lá se vai mais um símbolo nacional encurtado no sacrifício, só para não bater de frente com a grade horária. E a gente aqui, batendo palma pela metade e fingindo que está tudo bem. Será mesmo que está?  

A ideia da Lei era até bonita: promover o respeito, valorizar os símbolos, reforçar o patriotismo no calor das partidas. Mas entre a letra da lei e a prática no campo, tem um espaço tão grande quanto a defesa do Vasco no segundo tempo. E aí, resta a pergunta: se a gente não escuta nem o hino inteiro, será que ainda sente alguma coisa por ele?  

O problema não é o tempo. Tempo tem. Se aguentamos 90 minutos de jogo truncado, com VAR, cera e acréscimos que viram novela, por que não suportar dois minutos de hino completo? A verdade é que, no fundo, o hino virou quase um protocolo burocrático. Está lá, toca um trecho, bate palminha e vida que segue.   

E olha que não é por falta de beleza. Em 2002, o jornal The Guardian chamou o nosso hino de “o mais belo do mundo” — sim, do mundo! Disseram que a melodia era vibrante, a letra, poética. Aquilo que a gente ouve de qualquer jeito aqui, fez europeu ficar arrepiado. E o mais curioso é que ninguém lá foi obrigado por lei a gostar. O orgulho dos brasileiros naquele momento brotou do reconhecimento, não da regra. Emoção não se decreta, se sente. 

Aliás, se é para entrar na comparação, o Hino Nacional Brasileiro é quase uma composição de Verdi. Longo, dramático, cheio de firulas melódicas — uma ópera tropical em dois tempos.

Todavia, aqui, a gente parece preferir uma versão “resumida para o intervalo”, como se transformássemos uma sinfonia em jingle de campeonato. Se Verdi vivesse por aqui, se levantaria da arquibancada gritando: “Cadê o segundo ato, pô?!”  

Mas o X da questão não é só desleixo, é também falta de formação. Como esperar que o hino emocione alguém que nunca teve a chance de entendê-lo? Em um país onde a educação básica anda mais capenga que gramado de estádio interiorano, muita gente simplesmente não teve contato real com o que o hino representa. E aí, impor a execução completa é como escalar um jogador que não treinou: não resolve.  

No fundo, o descumprimento da lei do hino não é só uma infração burocrática, mas sim um retrato nosso. Tocamos só uma parte do hino porque só reconhecemos uma parte de nós mesmos. O resto a gente corta — por hábito, por pressa, ou por não saber exatamente onde aquilo nos leva.  

E assim seguimos, ouvindo o hino pela metade, aplaudindo pela metade, sentindo pela metade. Talvez esteja na hora de repensar o jogo. Porque, às vezes, a parte que falta é justamente a que dá sentido ao todo.  

Fabricio Carvalho é Maestro e Membro da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira n.º 23). @maestrofabriciocarvalho

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