por Renata Izaal
09/09/2017 4:18 / Atualizado 09/09/2017 7:38
Marilyn Monroe era ruiva e atendia por Norma Jean quando, em 1949, deitou-se sobre um veludo vermelho e posou nua para o fotógrafo Tom Kelley. Com as mãos no rosto e as pernas esticadas, transformou “o que seria uma posição de vulnerabilidade para outros em uma posição de poder para ela”, como afirmou Hugh Hefner, o fundador da “Playboy”, que comprou as imagens e as publicou na primeira edição da revista. Essa atitude à la Marilyn tem servido de inspiração para retratar a nudez de mulheres que, como ela, são símbolos de beleza e sensualidade poderosa — aquelas a quem a moda acostumou-se a chamar de bombshells: Gisele Bündchen já posou assim para Mario Testino, Irina Shayk fez o mesmo para o livro “Portraits Nudes Flowers”, de Mariano Vivanco, uma imagem que serviu de inspiração para a foto de capa desta edição. Juliana Paes, sorriso aberto, pernas e braços torneados, oscilando entre a brejeirice de quem já foi Gabriela e o sex appeal de Bibi Perigosa, pertence a essa estirpe de mulheres. E não é exagero.
— Eu nunca tive pudor com o corpo. Sempre lidei com ele de uma maneira natural, é uma ferramenta do meu trabalho. Há um caminho enorme entre a minha intenção e o pensamento do outro. Mas não estou preocupada com o que vão pensar. No começo da carreira, sim, eu tive um pouco de medo porque poderiam querer me explorar. Tive que me colocar: há cenas em que a nudez faz sentido, em outras não faz. Então, aprendi a estabelecer os meus limites e a dizer não — conta Juliana, 38 anos, que posou nua duas vezes: para a Playboy, em 2004, e agora para esta edição do ELA. — Quando fiz a Playboy, o momento na minha carreira era propício, a revista tinha prestígio. Claro que pensei que eu poderia ficar rotulada de gostosa, mas ao mesmo tempo confiava muito na minha capacidade de ir além. Quando os meus pais me apoiaram, eu topei. Fiz pela grana mesmo, comprei um apartamento para mim e outro para a minha mãe. Mas não acho que aquela tenha sido a minha fase mais bonita.
Dois filhos (Pedro, de 6 anos, e Antonio, 4, do casamento com o empresário Carlos Eduardo Baptista, com quem ela está há 13 anos), sobrancelhas mais grossas, maturidade... Juliana diz que a melhor fase é agora.
— A genética me foi favorável, mas quando fiz a “Playboy” eu não malhava. Hoje, eu trabalho o meu corpo, tive os meus meninos, precisei correr atrás. A minha cabeça também está melhor. Posso não ter os seios naturais de antes, mas tenho domínio do meu corpo, o rosto mais relaxado, a maturidade é tudo — diz ela, antes de fazer uma brincadeira e cair na gargalhada: — Se eu tivesse essa cabeça lá no início, ia ficar puxado para as outras, né? Mas,sério, eu não tenho aquela beleza clássica. Sou marcante, tenho olhão e bocão. Posso ficar bonita ou feia dependendo da luz. A beleza me abriu algumas portas, mas ela não me sustenta. É labuta mesmo.
Trabalho, aliás, é coisa seriíssima para a atriz. Filha de um policial militar e de uma dona de casa, Juliana cresceu em Niterói e aprendeu cedo a correr atrás. Para custear os estudos na universidade (ela é formada em Publicidade), trabalhou como modelo comercial, alternando entre campanhas maiores como a das sandálias Rider, e outras menores, além de fazer bicos como recepcionista em eventos.
— Foi um momento que mudou a minha vida. A gente não tinha grana. Eu pegava todos os trabalhos, mesmo que pagassem R$ 80, porque a minha bolsa na faculdade era de 50% e eu tinha que cobrir o resto. Aprendi a não ter vergonha, a falar e pedir trabalho, eu queria muito aquele diploma. Hoje, ele está pendurado no meu escritório, tenho o maior orgulho dele porque sei o quanto me custou. Meu pai dizia “filha, seja honesta, não tenha vergonha de dizer que está em apuros. Só não levante o seu nariz e não abaixe a cabeça para ninguém — relembra Juliana, trocando o sorriso pelas lágrimas ao relembrar as lições que aprendeu em família.
É esse histórico que permeia a relação da atriz com a própria vaidade, a fama e até com as escolhas de moda que faz.
— Eu tenho vaidade. Mas não acordo pensando que sou uma estrela. Se acreditar nisso, vou ser infeliz porque uma diva não sai na rua de tênis e com uma sacola de papel na mão (no dia da entrevista, a atriz vestia tênis, minissaia e um tricô e, sim, estava com uma sacola de papel). Eu sou acessível, gosto de bater papo com todo mundo. Mas eu conheço o meu poder de barganha, o que é muito bom. Mesmo sendo intuitiva e, por vezes, agindo por impulso, também aprendi a pensar de maneira estratégica — explica Juliana, que olha o próprio envelhecimento de forma tática. — Estou me preparando. Sei que não vou poder contar com a minha figura. O que me angustia é saber que o corpo vai envelhecer, mas os meus desejos de moleca vão continuar. Correr, brincar, rebolar até o chão... Em algum momento, a coluna não vai dar conta. Sendo atriz, isso fica ainda mais difícil porque corro o risco de perder papéis com o tempo. Não quero parecer ter 30 anos quando estiver com 60. Tenho fé que terei bons papéis de mulher madura, mas quero estar preparada inclusive para ser preterida no meu trabalho.
Na moda, ela admira a coragem de mulheres que “montam looks inusitados e saem na rua”, acompanha revistas especializadas e pincela peças que vê em desfiles mesmo sabendo que “o meu biotipo não é contemplado pela passarela”. As ousadias, Juliana prefere guardar para viagens e para o tapete vermelho.
— Aqui no Rio, já imaginou, eu coloco uma bota colorida e aparecem 20 paparazzi? Tenho stylist para ocasiões especiais porque não quero parecer vítima da moda. No dia a dia, com a batida das gravações e a rotina dos meus filhos, uso o que me é confortável. Ultimamente, estou mais street, gostando de tênis e com preguiça de salto alto. Mas as personagens tomam conta da vida de tal maneira que me pego com desejos de moda por conta dos papéis, uma coisa meio fashion schizophrenic, sabe? Com a Bibi, me vejo querendo uns bodies — confessa Juliana, que se diz “consumista com princípios”. — A minha história não me permite fazer certas coisas. Outro dia vi uma camiseta de malha lindíssima. Era bordada, de uma grife internacional. Custava R$ 7 mil. Não consigo. Era apenas uma camiseta, sabe? Mas já me dei de presente uma jaqueta da Balmain. Pensei, “eu ralo pra caramba, mereço”. Mas aí tem uma medida, entende?
Juliana diz que vai conforme a maré. Curte se dar presentes quando fecha contratos significativos, mas fica sem comprar nada caso o dinheiro “não esteja entrando”. Gosta de Balmain, de Dolce & Gabbana (“Acho elegante e sexy”) e da alfaiataria de Stella McCartney, mas como a maioria dos mortais, não resiste a visitar lojas da Zara e da H&M em viagens (“Isso é 70% da minha mala. Sou zarete”). Juliana cita a escritora argentina Pola Oloixarac, autora de “As teorias selvagens”:
— Ela disse “existe algo supermoderno numa mulher que se veste para ser maravilhosa, é um ritual que melhora não só a vida dela, mas de quem a rodeia”. Eu acredito nisso. É uma questão de poder, a moda tem importância política. — reflete a atriz, que vê política também nestas páginas. — Posar nua para o Caderno ELA é um ato político. As mulheres posavam nuas para revistas masculinas. Fiz essas fotos para um jornal feminino, para outras mulheres. A minha geração titubeava diante da palavra feminismo. Isso acabou. Eu acredito na causa, reitero os valores do passado e me orgulho de ver minhas colegas batalhando por nós. Essas fotos dizem que o corpo é meu, ser empoderada é ter coragem — afirma a atriz, que é embaixadora da ONU Mulheres.
“A força do querer”, atual novela das 21h, é a quarta que Juliana faz com Glória Perez. Ciente da discussão em torno de Bibi Perigosa, ela não vê glamourização do crime no folhetim.
— É uma mulher compulsiva, doente por um homem, que se meteu numa esparrela. Mas acima de tudo é uma história da vida real, gravada numa favela de verdade. Acho que a TV brasileira tem que contar essas histórias, e eu quero poder fazer essas personagens — reflete Juliana, que admira as personas criadas por Glória Perez. — É uma autora feminista no matter what. Suas grandes personagens são as mulheres. É para elas que escreve, pensando na força delas.
E para Juliana Paes, quem é um mulherão?
— Para quem está no show business, não tem igual à Madonna. Ela levantou a bandeira do girl power, exerceu sua sexualidade, a autoridade sobre o próprio corpo, falou sobre o nosso direito de escolha. É muita força.
Marilyn, Madonna, Juliana: um viva às bombshells.