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Caderno B Sexta-feira, 11 de Março de 2016, 00:00 - A | A

11 de Março de 2016, 00h:00 - A | A

Caderno B /

Margens costuradas



por Anna Bittencourt

TV Press

      Luiz Fernando Carvalho conseguiu o "status" de ser um dos diretores mais prestigiados na Globo. Com ampla liberdade de criação, é da "manga" dele que sempre saem os projetos mais ousados da emissora. Conhecido por estourar orçamentos e evitar modismos, Carvalho se prepara para o lançamento de "Velho Chico", na segunda, dia 14. Longe do horário nobre há 14 anos, o diretor volta a dar as diretrizes de uma novela de Benedito Ruy Barbosa, com quem trabalhou em tramas como "Renascer", "O Rei do Gado" e a recente "Meu Pedacinho de Chão". "O encontro com ele é sempre maravilhoso. Vamos juntos desenhando as cores, texturas e todos os detalhes da história", elogia. Para contar a história, Luiz Fernando visitou pequenas cidades do Rio Grande do Norte, Alagoas e Bahia desde outubro do ano passado. "Precisamos dar uma dimensão étnica, estética e cultural muito além do que o mercado preconiza. O país é amplo, não se traduz em uma única região, tipo de música ou cor", argumenta.

P – Como diretor, você faz questão de uma metodologia de trabalho que envolve todos os núcleos da equipe. Quais são os benefícios?

R – Acredito que seja necessário desenvolver técnicas, assimilar e trocar conhecimentos, além de montar um grupo de colaboradores capaz de refletir e desenvolver um processo criativo. Sou um criador que necessita que seu espaço de criação seja exercido de forma colaborativa. Meu cotidiano busca novos processos e modelos não apenas artísticos, mas de produção, buscando novos talentos em diferentes áreas. O texto é um ponto de partida que precisa ser vasculhado e não simplesmente decorado. Nós reagimos a ele. E esse processo de escavação não deve ser realizado apenas por mim, mas pelo grupo todo: atores, cenógrafos, figurinistas, fotógrafos, costureiras, contrarregras... Todos, sem exceção. Não há ninguém ali que não tenha algo a oferecer ao outro e, consequentemente, meu olhar se alimenta desse fluxo de encontros. Não saberia mais dirigir de forma convencional.

P – "Velho Chico" tem um elenco elástico, com 70% de atores nordestinos. Por que essa escolha?

R Nos meus trabalhos, gosto sempre de apresentar novos rostos. Além disso, sei da importância que a cultura regional tem e o que esses artistas trazem consigo de bagagem emocional, cultural e de linguagem. Para mim, são colaboradores fundamentais na concepção artística. Tentamos encontrar o país através dessa escalação, de forma que o conjunto ficasse harmônico e não imitativo, que evocasse a potência excluída do nosso país.

P – A estética, assim como em seus outros trabalhos, é um diferencial em comparação ao que é comum na teledramaturgia. O que você pretende mostrar em "Velho Chico"?

R – Nossas narrativas mais populares serão sempre voltadas a essa ligação arquetípica que o brasileiro tem com suas raízes mais primitivas. Constatamos que, apesar de todos os avanços ocorridos nos últimos séculos, ainda somos um imenso quintal. Não há família brasileira que não traga consigo a memória emotiva de uma horta, lençóis estendidos em varais, passarinhos em gaiolas... No fundo, somos todos do interior. Quanto à definição do que estou buscando, não sei como responder exatamente. Parto do melodrama, pois acredito ser um gênero absolutamente potente e capaz de transpassar todas as classes sociais, mas, em "Velho Chico", atravessamos vários gêneros. Tudo me interessa, desde a tragédia ao realismo fantástico.

P – Então, para você, voltar ao interior para contar uma novela é quase um dever...

R – As questões que estamos colocando aqui tinham de ser propostas pelo próprio governo. O governo deveria "desabandonar" essas áreas. Mas nós temos de relembrar essas histórias, falar dessas pessoas. Nós temos essa responsabilidade maior, como veículo que, além de formar telespectadores, forma cidadãos. A qualidade ensina, educa, traz apuros estéticos, é formadora da sensibilidade. E esse projeto nos possibilita mostrar essas coisas.

P – Mesmo antes da estreia, a trilha sonora da novela já teve grande repercussão. Qual é a importância da música para você?

R – A sensibilidade também se expressa através da música. O Caetano Veloso regravou "Tropicália" para a gente. O engraçado é que, quando escolhi "Tropicália" para música-tema, não escolhi especificamente um artista, mas um pensamento lúcido sobre o país. Onde todas as camadas se misturam e dá uma sensação de atemporalidade. Também vai ter Alceu Valença, Maria Bethânia, Tom Zé, Xangai... Esses cantores e essas músicas fazem parte da nossa cultura.

 

"Velho Chico" – Globo – Estreia segunda, dia 14, às 21:20 h.

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